quarta-feira, 30 de novembro de 2011

Quando não se sabe o que dizer

Nos momentos de maior fraqueza do meu pai, habitualmente depois de chamadas de amigos e familiares - os distantes que os próximos não se mostram -, quando chora e soluça, não sei o que lhe dizer.
Receio dizer-lhe que tudo vai ficar bem, quando nunca lhe menti ou omiti fosse o que fosse. Peço-lhe força e relembro-lhe que o poder está na mente. Não posso permitir-lhe, ou melhor, finjo que não lhe permito que se vá abaixo psicologicamente. E depois, choro eu.
Agradeço as manifestações de afecto, de verdadeira amizade e repugno e registo a falta delas.
A falta delas ao meu pai, a mim e especialmente ao meu filho, que heroicamente, assiste à transfiguração do avô, uns dias aguentando com firmeza e com a força de um adulto, outros que simplesmente não aguenta e chora compulsivamente. Para o meu filho, o meu pai é um exemplo, um herói, um companheiro, um avô cool. Custa-me a dificuldade que ele sente em reconhecer este avô, excessivamente magro, de cor doentia e sem brilho, sem vontade, sem energia.
É nestas alturas difíceis e crueis da vida, que precisamos mais do apoio de pessoas especiais, normalmente apoiamo-nos no ombro e no conforto da mãe . Mas eu, apesar de rasgada, triste e zangada com a vida, estou e estarei sempre que o meu filho me procurar , quer no olhar de um pedido escondido de socorro, quer num abracinho de 'boa noite' apertado.
Estou zangada, não escondo. As amigas e os familiares falam-me em aceitação, em vontade de Deus e outras justificações que não consigo encaixar. Sinto hoje o que senti há anos atrás, quando de um minuto para o outro, um ataque cardíaco fulminante matou a minha avó. Mais tarde aceitei interiorizando de que fosse o que fosse, Deus ou a Energia Universal, a compensaram com uma morte santa sem sofrimento, pela bondade pura que sempre a caracterizou.
Acabo a pensar que as maldadezinhas que fazemos e as atitudes egoistas e sacanas que cometemos ao longo da vida, pagamos em sofrimento no final dela. Físico ou psicológico. Se por um lado, ajuda acreditar no karma, por outro assusta.
Preciso que o meu pai não sofra mais. Já deve ser um sofrimento gigante, a certeza do fim próximo, e de deixar de estar na vida de quem amamos.
Triste. Zangada.

quarta-feira, 23 de novembro de 2011

Ou escrever ou rebento.

O meu pai tem 58 anos, faz no próximo dia 19 de dezembro, 59. Há 3semanas queixou-se com dores agudas muito fortes no abdómen, foi ao hospital de S. josé em lisboa, às urgências. Senha verde e 9 horas depois da primeira conversa com a médica veio a notícia - uma massa na cabeça e no corpo do pâncreas. Tramal para as dores e indicação de 8 dias depois se apresentar no Hospital dos Capuchos para uma nova consulta com a mesma médica que o assistiu nas urgências. Dia 14 de Novembro lá estávamos. Quando duas horas de espera depois o chamaram, estivemos 3 minutos no gabinete da médica para passar só e unicamente uma carta para uma consulta externa no Curry Cabral e a informação de que tinham solicitado à CUF uma biópsia. Saímos e fui ao Curry Cabral marcar a consulta de cirurgia hepato-biliar. O colega entendeu o meu desespero e marcou para daí a 8 dias, dia 24 de Novembro. Até lá foram dores insuportáveis, nauseas, perda de apetite quase total e obstrução intestinal. Na 2.ª feira fomos à consulta externa, a médica que nos assistiu remeteu para uma consulta da dor e para novo pedido de biopsia no IPO, cuja autorização do Curry Cabral demora 2 a 3 semanas. (Treta de sistema nacional de saúde) Entretanto, remeteram-no para a consulta da dor crónica porque quimio só poderá fazer depois do resultado da biopsia e só como cuidado paliativo. Tem dois pedidos para biopsias e nenhuma chega. Está hoje a começar a amarelar e a coçar-se insistentemente. Dorme quase o dia todo. Já passei por isto, o meu avô, pai do meu pai, faleceu há 2 anos e meio vítima do mesmo. É uma dor gigante. Não poder fazer nada. Só sorrir para ele e esperar.
Não sinto que tenha condições para ir trabalhar, mas também sinto que se não for desintegro-me rapidamente.

terça-feira, 22 de novembro de 2011

Amanhã começa a quimioterapia.

Sinto-me ansiosa e angustiada.
Amanhã será a primeira consulta de quimioterapia.
Não faz parte do processo de cura ou de esperança mas sim como cuidados unicamente paliativos.
Dizem que ameniza e adormece a dor. Assim o desejo.
Ontem já foi cortar o cabelo, não se esticou muito e estranharia se o rapasse, pois sempre o usou mais comprido do que o aceitável.
Sabe que o que o espera não é fácil mas finge não dar importância.
Uns dias parece que faz flashback da vida, outros parece fazer planos para depois.
Entristece-me saber que a vida está por muito pouco tempo e 'o agora é gozar até ao fim' não se pode aplicar. Não teve tempo. Emagrece porque não consegue comer, enfraqueceu porque não come. Perdeu o brilho natural dos olhos, o que resta é o brilho do efeito psicadélico dos quimicos que o aguentam. Custa-me olhá-lo e ver escrito nos braços dele 'Por ti Beta'. Lembro-me dos tempos de rebeldia extemporal em que andava metros e minutos sobre os braços, a fazer o pino.
Acredito no karma e isso traz-me alguma serenidade à minha gigantesca e inquantificável tristeza.

sábado, 19 de novembro de 2011

Obrigado amigos!

Quero deixar um abraço aos amigos do coração que sei que me seguem por esta via.
A ti Nuno, não precisas de me pedir desculpa seja pelo que for ... és um amigo de tantos anos, só preciso que cuides de ti porque preciso de saber-te bem. Fazes parte do conjunto de pessoas que vivem no meu coração e ambos sabemos que a distância não afecta em nada o carinho, a amizade e a intensidade do que sentimos um pelo outro. Olha por ti e espreita-me de vez em quando. Adoro-te!
A ti Joana ... sei que segues o meu blog, um abraço forte cheio de afecto e mimos. És uma miúda sensível, desde pequena, a tua ligação à tua avó foi e é muito parecida e sentida como a minha à minha avó. Cuida de ti e dos teus ... só com amor porque chega. Conta com a minha incondicionalidade porque é séria e sentida.
A todos os outros que não se manifestam, um bem-haja.
Cuido do meu pai agora com a certeza de que lhe proporcion o maior conforto. Sei que a noção dos dias vindouros amedronta mas também sei que o amor cuida e ameniza a dor. Amo-te pai!

terça-feira, 15 de novembro de 2011

Agora o meu pai.

Não é o nódulo, embora benigno, com 3 cms que tenho no pescoço que me faz sentir este atrofio no falar e no respirar. É uma bola de raiva e de qualquer coisa muito pior que isso que deixei instalar-se aqui.
Há quase quatro meses perdi a minha querida e última e resistente avó. Foram-na levando, pedaço a pedaço, até ao último grito dos seus pulmões. Já aceitei que seja assim, é a última instância desta fase da vida aqui, mas morro de saudades dela, do que ela sempre representou e representa para mim - o afecto, o conforto, o ponto focal de um conjunto de pessoas que se amam e unem como ela ensinou.
Agora, a notícia de uma luta injusta - o meu pai versus um qualquer cancro no pâncreas. Outro já houve que me levou o meu avô paterno ... e agora esta incapacidade de se lutar contra mais este.
Sinto-me a rasgar e com vontade de rasgar. Com as mãos, com os pés ... com os dentes. Não percebo. Não aceito. 59 anos e obrigado a entregar-se. Não devia de ser assim ... devia pelo menos ter a oportunidade de combater, de lutar, de uma luz ao fundo do túnel. Não é o caso. Encomendaram-lhe um castigo sem retorno. Esperar pelo apagão. Não aceito.
Não sei o que se diz ou do que se fala, agora, depois do princípio do fim. Não consigo sentir-me delicada com as pessoas ou com a vida. Estou zangada. Sinto só raiva por enquanto.
Triste. Olhar o meu filho e ver a tristeza que sente, dói tanto que vai alimentando a minha raiva.